Aos
poucos, o tema do ciberespaço vai-se instalando
na moderna literatura de ficçâo cientifica.
Seguindo o precursor "Neuromancer", de William Gibson,
tima nova geraçâo de autores e de obras
procurami antever o futuro das sociedades em que o componente
virtual terà um espaço cada vez maior.
Acabei de ler aquela que para mim é a primeird
obra-prima nesta nova àrea da ficçâo.
Trata-se de "Le Successeur de Pierre" ("0
Sucessor de Pedro"), de Jean-Michel Truong, um francês
filho de paî chinês do Vietnâ, que
publicara jà em 1989 um outro romance, "Reproduction
Interdite". Li em francês, e infelizmente
nâo lhe conheço ainda qualquer traduçâo.
Se você domina a lingua de Voltaire e Balzac,
nâo hesite: pode comprà-lo nas boas livrarias
virtuais francesas, como a Alapage (www.alapage.com).
De qualquer forma, aproveito para dar a dica aos editores
brasileiros: publiquem "0 sucessor de Pedro",
que é sucesso garantido.
Truong vive atualmente na China, onde presta consultoria
a empresas de alta tecnologia. Em 1984 criou a primeira
sociedade européia de inteligência artificial,
a Cognitech. E é justamente a sua abordagem deste
apaixonante tema que mais arrebata na sua obra.
Conheço duas abordagens diferentes da inteligêneia
artificial, que receberam os nomes de top-down e bottom-up.
A primeira, e mais antiga, é a que parte da tentativa
de reproduzir o funcionamento do nosso cérebro
em redes neurais, gigantescos programas de computador
que raramente conseguem atingir o nivel cerebral de
uma formiga. A outra abordagem é a que parte
de pequenas màquinas, totalmente burras e inaptas
no inicio, mas que aprendem pela sua prôpria experiência
a fazer tarefas simples de forma autônoma: caminhar
evitando obstàculos, por exemplo.
Mas a abordagem de Truong é um pouco diferente
destas duas. Os seres inteligentes do seu livro nâo
sâo robôs, nâo têm uma roupagem
mecânica ou material; sâo agentes inteligentes
que se movem inteiramente no mundo virtual, se reproduzem
e vâo aperfeiçoando "geneticamente" as
suas caracteristicas. No livro existem os "salmôes",
capazes de rastrear implacavelmente a origem precisa
de qualquer mensagem ou emissâo na Net; os "farejadores",
que buscam qualquer arquivo na Rede (mas com autonomia
para ir aperfeiçoando os seus métodos
e até mudando os termos de busca), e por ai vai.
Hà agentes capazes de, em conjunto e com divisâo
de tarefas, penetrar no servidor mais seguro.
"Imaginei seres informàticos capazes de cumprir
tarefas especializadas e que se adaptam ao meio, modificando
o seu programa inicial", explicou Truong numa entrevista
ao diàrio francês Libération. "À
partida, cada urn difere figeiramente dos sens congêneres.
Os menos eficazes desaparecem, os outros reproduzem-se
com mutaçôes. Quer dizer, com uma parcela
de codigo um pouco diferente. Sâo por isso seres
vivos no sentido estrito: reproduzem-se e evoluem por
seleçào. È claro que ainda nâo
existem na Web. Mas os primeiros serào sem dùvida
os virus mutantes: seres cujo ùnico objetivo
serà sobreviver aos ataques dos antivirus".
No livro, o màximo de inteligência artificial
é uma comunidade de seres inteligentes capazes
de proteger uni garoto hacker, até este se aperceber
que o mundo em que vive é totalmente viciado
e se lançar a combatê-lo. Porque o mundo
desenhado no livro é de pesadelo. Devastado por
uma série de epidemias, uma boa parcela do mundo
(América do Norte, Europa e Japâo) decidiu
optar pela soluçâo dràstica: contacto
zero. Ou seja: os seus habitantes sâo isolados
por toda a vida em casulos e exercem as suas atividades
humanas e sociais exclusivamente pela Web. A esta regra
apenas escapa a elite governante e uma pequena tribo
de resistentes que opta por ficar no mundo exterior
(os No-plugs). Nâo tenho espaço para fazer
sequer um resumo desta complexissima e vibrante histôria,
mas o horizonte de Truong, é bem pessimista e
o seu cenàrio para 2030 é o de um mundo
de alta tecnologia mas de pessoas isoladas e manipuladas.
Um futuro possivel e aterrorizante.
Luis
Leiria é diretor interino da revista "Vida Mundial",
de Portugal, e ainda nâo perdeu as esperanças
de um dia contar com agentes inteligentes que escrevam
esta coluna por ele :-).